terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Cana-de-açúcar avança em áreas prioritárias


Mapas elaborados pelo Instituto Sociedade, População e Natureza estabelecem a nova geografia do etanol no segundo bioma mais ameaçado do país.

Importantes áreas para a conservação e uso sustentável da biodiversidade do Cerrado que deveriam ser protegidas estão sendo tomadas pelas lavouras de cana-de-açúcar para produção de etanol. Isso significa que pode haver comprometimento dos recursos naturais, das populações rurais e da segurança alimentar na região. A conclusão é de um levantamento feito pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e que aponta a tendência do avanço dos canaviais no segundo bioma mais ameaçado do país. O estudo foi financiado com recursos da Comunidade Européia.

O Cerrado abrange cerca de dois milhões de quilômetros quadrados e faz conexão com a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Caatinga. Sua área central está nos estados de Goiás, Distrito Federal, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, sul do Maranhão, oeste da Bahia e parte do estado de São Paulo. Abrange ainda uma pequena porção no Paraná e enclaves localizados em Roraima, no Amapá e extremo norte do Pará.

“Apesar de não haver monitoramento oficial, estima-se que o desmatamento na região gire em torno de 1,1% ao ano, o equivale à destruição de cerca de 22 mil Km2 por ano, sendo maior que o desmate na Amazônia” compara Nilo D’Avila, assessor de políticas públicas do ISPN. Nas últimas décadas, o Cerrado já perdeu a metade de sua cobertura vegetal. As principais causas do desmatamento no Cerrado estão relacionadas à agricultura e pecuária praticadas inclusive sobre áreas que deveriam estar sob proteção e que são a base do estudo do ISPN.

Os mapas que mostram a nova geografia do etanol no Cerrado foram elaborados a partir de dados o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ao cruzar os dados, o ISPN detectou situações que apontam riscos para a biodiversidade, a água e o clima na região.

Nos municípios de Goianésia e Barro Alto, em Goiás, uma área de cerca de 2, 5 mil km2 considerada pelo MMA como “prioridade muito alta para o fomento e uso sustentável” já está dominada pela cultura da cana. A situação se repete em outra áreas do estado.

Na região que engloba as nascentes do rio São Lourenço – um dos mais importantes do Mato Grosso – as lavouras de cana avançam sobre áreas onde se tenta implementar um corredor de biodiversidade. Nesse caso, a produção canavieira se concentra nos municípios de Dom Aquino, Jaciara e Juscimeira.

Em Minas Gerais, estado que também está vivendo a expansão da monocultura da cana, o levantamento aponta exemplos como o do polígono que envolve os municípios de Lagoa da Prata, Luz, Arcos, Iguatama e Japaraíba e que tem “muito alta prioridade” para a conservação ambiental. Lá também a cana se espalha.

Na região central do estado de São Paulo, uma área considerada como “prioridade extremamente alta” para consolidar e conectar Unidades de Conservação agora convive com extensos canaviais. A Reserva Biológica (REBIO) localizada no município paulista de Sertãozinho é vista nos mapas como uma ilha cercada de cana por todos os lados.

“O governo precisa se antecipar e direcionar a expansão da cana-de-açúcar para áreas já alteradas se quiser evitar perdas inestimáveis para a biodiversidade do Cerrado e impacto indesejáveis sobre os recursos hídricos e o clima”, alerta o professor Donald Sawyer, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

Usinas projetadas para o Cerrado indicam novas áreas da expansão da cana

O estudo realizado pelo ISPN também apresenta a tendência regional de expansão da cultura da cana a partir de São Paulo para os estados vizinhos de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e projeção para Goiás, Mato Grosso e Tocantins.

De acordo com o assessor de políticas públicas do ISPN, Nilo D’Avila, o levantamento revela que enquanto a indústria da cana já tem já definiu a ampliação de área plantada e construção de novas usinas – inclusive em regiões onde ainda não há lavouras de cana – o governo não apresenta um plano para se preservar importantes amostras do bioma.

“O governo fala muito em evitar a expansão da cana para a Amazônia. Enquanto isso, o avanço dos canaviais se dá de modo rápido e descontrolado no Cerrado”, compara D’Ávila. Com base nos novos mapas, ele contabiliza para o estado de São Paulo 27 novas usinas. Goiás, que já tem 17 usinas instaladas, deverá saltar para um total de 40 com as novas unidades previstas. Minas Gerais tem 31 usinas instaladas e deverá ganhar mais 14. Em Mato Grosso do Sul, há 10 usinas instaladas em 15 em construção.

“Ao mapear o avanço da estrutura para o processamento da cana sobre o Cerrado, o levantamento questiona a capacidade do governo para monitorar e controlar o desmatamento no bioma”, explica Nilo D’Avila. Ao contrário da Amazônia, o Cerrado não dispõe de um sistema de vigilância permanente e muito menos uma política pública que conjugue o crescimento econômico com a preservação de áreas importantes para a manutenção dos serviços ambientais do Cerrado.

Impactos sociais

Os impactos sociais do avanço descontrolado da indústria na cana no Cerrado também são motivo de preocupação. Segundo a antropóloga Andréa Lobo, presidente do ISPN, o desmatamento para dar lugar à lavoura de cana prejudica diretamente as populações rurais que sobrevivem do uso da biodiversidade do Cerrado.

Outra conseqüência temível é que os pequenos produtores de alimentos deixem suas plantações atraídos pelos empregos temporários no corte da cana, o que poderá diminuir a produção de alimentos na região, além de agravar a migração para as periferias urbanas.

Para Andréa Lobo, o estudo mostra a necessidade urgente de se definir políticas que consigam enfrentar a nova realidade que se desenha sobre o bioma Cerrado. Conforme a antropóloga, não se trata de excluir uma alternativa econômica importante para o país como o etanol, mas de preservar as áreas de interesse ambiental global e incluir as populações que vivem no Cerrado no processo de desenvolvimento sustentável da região.

.: fonte: ISPN

Para conhecer outros mapas produzidos pelo levantamento, visite: www.ispn.org.br

Veja também a repercussão do levantamento na grande imprensa:

.: G1



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