sexta-feira, 28 de março de 2008

Em debate: o desenvolvimento e os conflitos ambientais

Com o ingresso do Brasil em um novo patamar econômico mundial, os conflitos ambientais que já existiam no país não só se agravam como se alastram para as áreas até então preservadas.

É neste contexto que o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais realiza o I Seminário Nacional sobre Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. O evento será de 2 a 4 de abril, na UFMG, e conta com mais de mil inscrições.

Estarão reunidos pesquisadores de várias áreas do conhecimento para debater de forma crítica e inovadora noções como desenvolvimento, sustentabilidade, territorialidade, eqüidade, preservação e políticas ambientais.

O Seminário reunirá pesquisadores de diversas universidades de destaque em todo o país e do exterior e estará aberto ao público assistente, preferencialmente composto por estudantes, acadêmicos, profissionais e militantes das questões socioambientais.

A programação do evento e demais informações podem ser obtidas em: www.ufmg.br/conflitosambientais

quinta-feira, 27 de março de 2008

Edital de 5 milhões para tecnologias de base ecológica fecha dia 14

Com o título "Seleção pública de propostas para apoio a projetos de geração e disponibilização de tecnologias para a agricultura familiar de base ecológica, comunidades tradicionais e povos indígenas", o edital n° 07/2008, lançado pelo CNPq e a Secretaria de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República encerrará o prazo de submissão de propostas no dia 14 de abril.

O objetivo do edital é selecionar projetos de geração e disponibilização de tecnologias de base ecológica apropriadas para a agricultura e a aqüicultura familiares, bem como contribuir para a sustentabilidade das comunidades tradicionais, povos indígenas e pescadores artesanais e assegurar melhores condições para sua inserção no mercado e geração de renda.

Poderão apresentar propostas Instituições de Ensino Superior Públicas, Comunitárias e Confessionais, Instituições Públicas de Pesquisa e/ou Extensão, todas sem fins lucrativos, com capacidade e infra-estrutura de recursos humanos e materiais para realizar as atividades propostas.

A fase de análise e julgamento das propostas iniciará no dia 12 de maio e a divulgação dos resultados ocorrerá no dia 20.

Acesse o edital clicando aqui.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Grandes e médios concentram as dívidas no campo

Conforme Gilson Bittencourt, secretário-adjunto de Política Econômica, o governo estuda a regionalização das dívidas.

Um mapa inédito das dívidas do setor rural brasileiro preparado pelo Ministério da Fazenda mostra que as operações em atraso nos débitos antigos, já roladas desde 1995, estão concentradas em médios e grandes produtores dos Estados do Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná, Mato Grosso, São Paulo e Bahia.

O raio X, elaborado com dados de 29 instituições financeiras, aponta também que a maior parcela do endividamento nos programas de investimento em máquinas e equipamentos (Moderfrota e Finame Agrícola) está nas mãos dos produtores de soja e milho de Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná. No caso de agricultores familiares e assentados da reforma agrária, os débitos vencidos pesam mais sobre produtores de mandioca, banana, milho e soja das regiões Norte e Nordeste.

Os débitos em atraso, que somam R$ 18 bilhões, têm uma relação bastante desigual no segmento empresarial. Um exemplo: o Programa de Securitização I, cujas dívidas foram roladas por dez anos em 1995, mostra uma concentração do passivo vencido nas dívidas acima de R$ 200 mil.

Pelos dados, 9,4 mil contratos com esse teto respondem por R$ 298 milhões das dívidas em atraso, enquanto outros 2,4 mil contratos acima desse teto somam a R$ 1,68 bilhão. Ou seja, mesmo donos de uma fatia de 18% do total nesse programa, os médios e grandes têm uma dívida quase cinco vezes maior. Na Securitização II, cuja rolagem bateu em 25 anos, 1,32 mil contratos respondem por R$ 398 milhões de débitos. Na outra ponta, 6,4 mil contratos somam R$ 149 milhões.

A situação é ainda mais distorcida nas dívidas dos produtores com o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). Nesse caso, os 802 inadimplentes com débitos acima de R$ 100 mil têm um saldo vencido de R$ 139 milhões. Os demais 4 mil contratos somam um passivo próximo de R$ 50 milhões.

Há ainda outro exemplo mais emblemático tanto pela demora na resolução do problema identificado nos anos 90 quanto na concentração dos débitos em poucas mãos. Os 6,7 mil produtores de cacau endividados até R$ 100 mil, situados em sua maioria na Bahia, registram um saldo vencido de R$ 44 milhões. No outro lado, apenas 919 contratos concentram um passivo atrasado de R$ 217 milhões.

O governo está preocupado com essa anomalia. Por isso, tentará uma solução para reduzir o endividamento com uma proposta técnica de regionalização de uma nova renegociação das dívidas. O objetivo é atender aos mais necessitados e poupar os cofres da União, segundo o Ministério da Fazenda. "Com esses dados, dá para iniciar um debate de regionalizar as soluções", afirmou o secretário-adjunto de Política Econômica, Gilson Bittencourt.

"Mas há um problema político porque tem pressão violenta no Congresso e uma medida que podia custar pouco fica muito cara porque temos que atender a todos os Estados". A bancada ruralista no Congresso insiste em uma solução de rolagem e carência generalizada, além de buscar a garantia de descontos para pagamento parcelado e uma espécie de recálculo das dívidas antigas para liquidação. Os parlamentares avaliam que a situação dos produtores do Sul é bem melhor que a condição de seus colegas do Centro-Oeste, sobretudo de Mato Grosso.

A avaliação da Fazenda sobre as condições financeiras dos produtores, entretanto, é bastante positiva. "Na maior parte do país, pelas atuais condições, dá para pagar as dívidas neste ano e ainda sobra", afirmou Bittencourt.

O governo acredita que o custo da nova renegociação será bem menor que as situações anteriores. Entre as alternativas avaliadas para resolver mais "um pedaço" do endividamento sem comprometer as contas públicas, está a concessão de descontos para a liquidação total das dívidas menores. "Quanto menor a dívida, maior o desconto. Com isso, economizamos em despesas operacionais. Também liberamos garantias dos produtores, que se livram dessas dívidas e evitam entrar para a dívida ativa da União", afirmou Gilson Bittencourt.

Fonte: Ruy Baron/Valor Econômico

terça-feira, 25 de março de 2008

Celeiro do mundo: vocação ou maldição?

Edson Lobato

O pesquisador da Embrapa Cerrados, Engenheiro Agrônomo Edson Lobato, teve reconhecimento internacional por seu empenho em aumentar a oferta de alimentos em quantidade e qualidade. Em 2006, o pesquisador recebeu o prêmio da World Food Prize Foundation, uma instituição norte-americana.

Em entrevista ao Jornal do Crea-DF, o agrônomo Edson Lobato falou do trabalho desenvolvido para adaptar o Cerrado ao cultivo de grãos em larga escala e também sobre o prêmio recebido em 2006.

A entrevista que segue revela uma visão que infelizmente predomina entre especialistas e autoridades: a de que o Cerrado deve tornar-se o celeiro do mundo, mesmo que isso implique na perda de grande parte de sua rica biodiversidade.

JORNAL CREA-DF (JC) - O prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize) recebido pelo senhor em 2006 se deveu ao empenho em provar a capacidade de produzir do Cerrado?

EDSON LOBATO (EL) - O Dr. Borlaug decidiu criar uma fundação para suprir a lacuna do Prêmio Nobel. Foi criada então, a World Food Prize Foundation (WFPF) que a partir de 1986 passou a premiar anualmente pessoas que, no julgamento de um Comitê de Seleção da fundação, tenham contribuído de maneira relevante para aumentar a oferta de alimentos em quantidade e qualidade para o mundo. No entender desse Comitê a transformação do Cerrado brasileiro em área agrícola altamente produtiva foi uma das mais importantes conquistas da ciência agronômica do século XX. A premiação reconheceu o conjunto da obra que se estendeu por 39 anos.

JC - O que o prêmio significou para o Sr. enquanto profissional?

EL - Mais do que uma satisfação pessoal o que me tocou foi o reconhecimento externo, de uma instituição da importância do WFPF, de um esforço enorme desenvolvido pelo Brasil para que os Cerrados brasileiros viessem a se constituir numa importante área para a produção de alimentos, fibras e energia. Não só para o Brasil mas para o mundo. Isso não é tarefa para poucos. No mérito desse feito incluo entre outros a pesquisa, a extensão rural, a assistência técnica, a política, os fornecedores de insumos e os agricultores. Como parte desse conjunto me sinto gratificado.

JC - O que o prêmio significa para a agronomia brasileira?

EL - Quando se decidiu, no início da década de 70, se incorporar o Cerrado ao processo de produção agrícola, mesmo que quiséssemos não poderíamos importar conhecimento tecnológico para tal fim. Não havia esse conhecimento em parte alguma. A agricultura mais avançada do mundo estava em áreas de clima temperado. Não havia exemplo de agricultura tropical que pudéssemos copiar. Tivemos que desenvolver a tecnologia para tal empreitada e o fizemos muito bem em um prazo relativamente curto. Como brasileiros devemos nos orgulhar disso.

JC - Por que o Sr. decidiu investir no Cerrado?

EL - Talvez por ser minha região natal. Nasci em Uberlândia, MG, no coração do Cerrado. Sempre acreditei na possibilidade de transformar os Cerrados em área agricolamente produtiva.

JC - Quais eram os desafios da profissão àquela época?

EL - Quando começamos nosso trabalho em 1965 na Estação Experimental de Brasília, do Ministério da Agricultura, em Planaltina, a profissão era pouco prestigiada. As condições de trabalho em pesquisa deixavam muito a desejar pelos baixos investimentos na formação e aperfeiçoamento de pessoal assim como em instalações e equipamentos. Como conseqüência, o acervo de informações tecnológicas para as nossas condições tropicais era limitado.
Com a criação da Embrapa e pouco depois do Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado (1973) no mesmo local da antiga Estação Experimental de Brasília, as condições de trabalho melhoraram consideravelmente e foi possível produzir muito mais em curto espaço de tempo.

JC - Quais os desafios da profissão hoje?

EL - Os desafios do profissional da área agronômica hoje não são menores que os daquela época. São apenas de outra natureza - desenvolver sistemas de produção sustentáveis de tal forma que se possa atender a demanda de alimentos, fibras e energia de uma população planetária que passou de 1 para 2 bilhões entre 1750 e 1950 e, nos 50 anos seguintes aumentou para 6,5 bilhões de pessoas. Se até um passado recente era possível ser amador na agricultura, hoje, numa economia globalizada, não há mais lugar para amadorismo. Há que se ter muito bons profissionais na agricultura, utilizando o melhor do conhecimento tecnológico para se competir em desvantagem (custo Brasil) com a agricultura altamente subsidiada do primeiro mundo.

JC - E quais perspectivas para o Cerrado brasileiro nos próximos 10 anos?

EL - As condições do nosso Cerrado são únicas no mundo quanto à possibilidade de aumentar muito a oferta de alimentos, fibras e energia não só para o País mas para exportação. Podemos aumentar a produção pelo aumento das produtividades e pela incorporação de novas áreas ao processo produtivo.

Hoje temos cerca de 14 milhões de hectares cultivados com grãos (onde se colhe cerca de 54% da produção nacional), 3,5 milhões de hectares com culturas perenes e 61 milhões de hectares com pastagens cultivadas, das quais 60 a 70% em algum estágio de degradação. Um terço dessas pastagens degradadas, se recuperadas e bem manejadas poderia abrigar o rebanho atual, liberando cerca de 28 milhões de hectares para a produção de grãos, carne, fibras ou energia. Além disso, 60,5 milhões de hectares de área virgem poderiam ser utilizados para a produção agrícola.

Ainda restariam 65 milhões de hectares (aproximadamente 32% da área total) para preservação da flora e fauna regionais.

.: Entrevista cedida pelo Jornal CREA-DF ao CURTAS.

segunda-feira, 24 de março de 2008

USP debate os biocombustíveis

Mauricio Tomalsquim

O governo divulga os biocombustíveis como a grande solução não apenas para a crise energética como para o aumento de produção alimentar e fortalecimento da agricultura familiar. Mas não faltam críticas e denúncias de que a alternativa não só vai resultar no aumento de preço dos alimentos, provocando fome, como aumentará significativamente a pressão sobre áreas de florestas nativas – principalmente o Cerrado.

Este é o eixo do debate que será realizado hoje (24), em São Paulo. Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) será o conferencista, acompanhado pelos debatedores Guilherme Dias e Ricardo Abramovay, ambos professores do Departamento de Economia da FEA e pesquisadores do NESA - Núcleo de Economia Socioambiental da USP.

O jornal britânico Financial Times advertiu, em recente editorial, por exemplo, que o progresso alcançado entre 1990 e 2005 no combate à fome, principalmente entre as crianças, está ameaçado pela alta do preço dos alimentos, impulsionada, entre outros fatores, pelos subsídios pagos à produção de biocombustível. Segundo o periódico, o preço de commodities como trigo, soja e milho duplicaram, ou até triplicaram nos últimos anos. "A duplicação do preço significa escassez - e o aumento da desnutrição."

O Brasil tem desempenhado papel de liderança mundial na produção de biocombustíveis, para onde são direcionados grandes investimentos nacionais e internacionais. Diversos estudiosos e especialistas vêm chamando a atenção para o fato de que esta política acarreta uma grave agressão ambiental, com conseqüências ainda mais nefastas do que as provocadas pela utilização do combustível fóssil. O Cerrado, já seriamente devastado pelo agronegócio – principalmente soja e gado, agora se vê diante de uma nova ameaça.

A conferência será aberta e poderá também ser assistida pela internet, no endereço http://iptv.usp.br/overmedia/home.jsp.

Serviço:

Conferência: Os impactos socioambientais dos biocombustíveis, com Maurício Tomalsquim

Debatedores: Guilherme Dias e Ricardo Abramovay

Dia 24 de março, das 11h30 às 13h30

Local: Sala G4-Prédio FEA 1, Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, Cidade Universitária, São Paulo (SP)

Mais informações: (11) 5182-1806

terça-feira, 18 de março de 2008

Manifestação em Brasília reivindica a aprovação da PEC do Trabalho Escravo


Representantes de 20 entidades da sociedade civil promoveram, na última quinta-feira (14), manifestação em Brasília para pedir a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/01, mais conhecida como PEC do Trabalho Escravo.

A emenda determina o confisco das terras em que sejam flagrados casos de trabalho escravo, para destiná-las à reforma agrária. Faz 13 anos desde a primeira vez que idéia foi apresentada ao Congresso, por isso, cansados de esperar, os ativistas reivindicaram urgência na sua aprovação pelo Congresso Nacional.

Para o secretário da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), Paulo Vanuchi, o país perde muito com a exploração dos trabalhadores. "Em fase de crescimento econômico como o Brasil vive hoje, é importantíssimo reforçar todos os mecanismos de fiscalização, de enfrentamento, para não deixar o trabalho escravo voltar a crescer", declarou. O conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduíno, ainda completou a argumentação dizendo que a aprovação da PEC, associada à intensificação da fiscalização, deve resolver o problema.

A manifestação reuniu quase mil pessoas, entre movimentos sociais, trabalhadores rurais e representantes de entidades vindos em caravanas do Pará, Tocantins, Piauí, Maranhão, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Distrito Federal. Membros do MST, Via Campesina, Fetraf e Contag, numa das maiores mobilizações vistas em Brasília, nos últimos tempos.

Estiveram também presentes, nos debates que ocorreram no Congresso, os presidentes da Câmara e do Senado, os ministros do Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Agrário e Direitos Humanos, ministros de tribunais superiores, associações de juízes, procuradores e auditores, artistas e cantores, lideranças políticas e empresariais, representantes de governos estaduais, mais de 30 parlamentares da base do governo e da oposição.

Mas uma ausência foi bastante sentida durante a manifestação: a do presidente Lula. Um comunicado do Planalto frustrou as expectativas dos ativistas quanto à realização de uma audiência com o presidente. Eles contavam com uma manifestação pública de apoio à aprovação da PEC do Trabalho Escravo, por parte do presidente Lula, que havia destacado o assunto como prioritário, no início de seu primeiro mandato, em 2003.

Senado analisa, hoje, proposta de elevação de pena para trabalho escravo

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público pode votar ainda hoje o Projeto de Lei 5016/05, do Senado, que torna mais clara a definição de trabalho escravo e eleva a pena para quem pratica esse tipo de crime.
De acordo com o texto, será considerado trabalho escravo a sujeição do trabalhador por meio de fraude, violência, ameaça ou qualquer tipo de coação. A pena será de cinco a dez anos de reclusão, além de multa. Atualmente, a pena para esse crime varia de dois a oito anos de reclusão e multa.

A proposta prevê também penas para quem recruta, alicia ou transporta trabalhadores para locais onde eles venham a ser submetidos à condição escrava. O texto proíbe o empregador condenado por trabalho escravo de receber benefícios ou incentivos fiscais concedidos pelo poder público. Além disso, todos os bens dele e do aliciador ou transportador serão leiloados, e o dinheiro será revertido para os cofres da União, que o destinará, preferencialmente, ao aparelhamento da fiscalização do trabalho.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Índios MYKY preservam diversidade agrícola na transição entre Amazônia e Cerrado

Sementes dos Myky abastecem roças de outras etnias.

Em apenas três décadas de contato com os brancos, os índios MYKY, do Mato Grosso, aprenderam a duras penas que o contato com os não-índios pode ser catastrófico para sua gente. Cercados por campos de soja e pastagens que reduzem drasticamente a biodiversidade da região, contaminam as nascentes e os encurralam em sua própria terra, cabe agora aos MYKY tentar preservar ao máximo as variedades agrícolas nativas em seus domínios. O que está em jogo não é só a segurança alimentar. É a sobrevivência do grupo, incluindo seus aspectos culturais e simbólicos.

Com apenas 104 indivíduos na aldeia Japuíra, a 53 quilômetros do município de Brasnorte, o povo MYKY passou a usar as estratégias dos brancos para captar dinheiro e tentar garantir a sobrevida da comunidade. Em suas roças, eles cultivam tradicionalmente milho, mandioca, batata, cará e amendoim. Da floresta de transição entre Cerrado e Amazônia, coletam cajuzinho, tucum, castanha, pequi e bacaba. A proteína animal vem da caça: anta, queixada, caititu, primatas, veados, insetos e também da pesca.

Com a ajuda de uma equipe de biólogos, indigenistas e antropólogos, os MYKY conseguiram aprovar o projeto Alimentação Myky (Myky Ãkakje´y) no valor de 30 mil dólares do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais – PPP-ECOS, que funciona há 13 anos no Brasil com recursos do Global Environment Facility (GEF) e apoio financeiro da Comissão Européia. Coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o programa apóia comunidades tradicionais no Cerrado e áreas de interseção com iniciativas de uso sustentável da biodiversidade e fortalecimento das organizações sociais.

Com o dinheiro repassado diretamente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os MYKY tentarão vencer desafios cruciais para o futuro da sua etnia. Entre as iniciativas do projeto escrito e defendido por eles estão a identificação de cultivares crioulos utilizados nas roças comunitárias, a descrição científica dos modos tradicionais de manejo de plantas e animais nativos e a marcação de áreas para a lida com as espécies.

Nutrição

O conhecimento gerado pelo projeto irá abastecer os MYKY não só de comida, mas também de conhecimento. As informações entrarão para o currículo na escola indígena da aldeia. Os alimentos produzidos por eles vão para a merenda escolar. Considerando que a maioria restante desse povo é formada por jovens, a iniciativa é a garantia de um futuro estável para os MYKY.
Apesar de serem poucos numericamente, os MYKY têm grande importância para a antropologia brasileira. Eles preservam uma língua que pertence família distinta das demais línguas indígenas dos troncos Macro-Jê e Tupi. Guardam ainda tradições antigas e praticam ritos ainda pouco estudados.

Com o projeto que começa a ser implantado este ano, a sabedoria tradicional do povo MYKY tem chances de se manter ao longo das gerações seguintes. Salvando a diversidade em suas terras, eles estarão dando uma colaboração e tanto, inclusive para outros grupos indígenas. Sementes de milho crioulo e outras espécies cultivadas pelos MYKY germinam em roças Enawene Nawê, Xavante, Bororo, Nambikwara, Irantxe e outros.

Fonte: ISPN

sexta-feira, 14 de março de 2008

Ambientalistas comemoram vitória no TRF contra produção de carvão


A Rede Ambiental do Piauí – REAPI e a Rede Mata Atlântica - RMA comemoram a decisão da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que suspendeu nesta quarta-feira (12) por unanimidade a autorização de desmatamento de 78 mil hectares concedida à empresa JB Carbon, produtora de carvão vegetal a partir das florestas de Caatinga, Cerrado e até Mata Atlântica.

O projeto da empresa, chamado de Energia Verde, tinha mais de 300 fornos que produziam carvão vegetal em escala industrial. O empreendimento sofreu paralisação por ordem do Juízo de 1º grau, a pedido do Ministério Público Federal.

A atividade econômica considerada insustentável por ambientalistas e especialistas da área foi finalmente paralisada pelos desembargadores da Quinta Turma do TRF, que tinha como relatora a desembargadora Federal, Selene Maria de Almeida. Ela usou em sua decisão documentos e fotos mostrando a destruição da fauna e flora brasileira ao sul do Piauí, causadas pelo o que os ambientalistas chamam de modelo de desenvolvimento a qualquer custo.

A área segundo pesquisadores é o encontro de três importantes biomas no planeta: Caatinga, Cerrado e o que resta da Mata Atlântica no Piauí. Dados do MMA revelam que cerca de 93% da mata atlântica original do Brasil já foi devastada.

Uma verdadeira batalha de ambientalistas da RMA e REAPI foi travada contra o Governo do Estado, deputados federais, estaduais e empresários do ramo carvoeiro após reportagem veiculada em rede nacional, no dia 26 de janeiro de 2007, pelo Globo Repórter.

Desde então o Governo do Piauí tem sido o maior advogado da JB Carbon. Concedeu até 12 anos de isenção fiscal para a empresa carioca, ela inclusive conseguiu duas autorizações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para prospectar minério de ferro nas proximidades da Serra Vermelha. A JB Carbon também aparece como uma das doadoras de recursos para campanha de reeleição do governador do Piauí, Wellington Dias (PT).

Mas apesar das dificuldades e retaliações enfrentadas pelos ambientalistas eles comemoram a decisão da Justiça. A coordenação da REAPI em nota afirma que o Piauí só tem a ganhar com a proteção dos seus recursos naturais, e que é impossível não se sensibilizar com os desmandes autorizados pelo poder público local.

Fonte: Dionísio Carvalho/Rede Ambiental do Piauí - REAPI

quinta-feira, 13 de março de 2008

Dia Internacional de Luta contra as Barragens inclui protestos de repúdio à UHE de Estreito


O 14 de março é, todos os anos, um dia de atos e protestos mundiais contra a construção de barragens, em defesa da vida e da natureza e pelos direitos dos atingidos - o Dia Internacional de Luta contra as Barragens.

Segundo o relatório final da Comissão Mundial de Barragens (órgão ligado à ONU), no mundo, cerca de 80 milhões de pessoas foram atingidas direta ou indiretamente pela construção de usinas hidrelétricas. No Brasil, as grandes hidrelétricas existentes já expulsaram cerca de 1 milhão de pessoas, e destas, 70% ainda não foram devidamente indenizadas.

Protestos contra a Usina de Estreito

Como parte da jornada de protestos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), neste ano, militantes do movimento e também da Via Campesina ocuparam, no último dia 11, a UHE de Estreito, no Maranhão. Os militantes exigem a paralisação das obras da usina ao longo do rio Tocantins, para que seja feito um novo levantamento de impacto ambiental, já que o estudo realizado anteriormente omite que cerca de 21 mil pessoas serão atingidas diretamente pela barragem, além de comunidades quilombolas do Bico doPapagaio

O Consórcio Estreito Energia (Ceste), responsável pela obra, é formado pelas empresas Vale, Acoa Alumínio, Billiton Metais (BHP), Camargo Corrêa Energia, e Tractebel. A hidrelétrica com potência de 1.087 MW, se construída, vai formar um lago de 555 km2, e inundará uma área de 400km².

Agricultor é baleado durante ocupação da Usina de Estreito

Por volta da 23:30h do dia 11, durante a ocupação da UHE de Estreito pelos militantes do MAB e Via Campesina, o agricultor Welinton da Silva (18) levou um tiro na perna.

O gerente de transportes do Consórcio Estreito Energia (Ceste), Luis Carlos Pereira Lima, foi preso no dia 12, como suspeito pelo atentado. Testemunhas identificaram o atirador que já havia entrado no acampamento três vezes no dia do incidente, ameaçando os manifestantes.

O Consórcio Estreito Energia (Ceste), responsável pela obra, é formado pelas empresas Vale, Acoa Alumínio, Billiton Metais (BHP), Camargo Corrêa Energia, e Tractebel. A assessoria de imprensa do Ceste disse que a empresa não se manifestará sobre o episódio e que as obras continuam paralisadas.

Welinton Silva foi atendido pelo Hospital Municipal de Estreito e encontra-se fora de perigo.

Maiores informações:
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Telefax: 61 3386-1938

quarta-feira, 12 de março de 2008

Extrativismo sustentável no Cerrado é sucesso em assentamentos e aldeias indígenas de MS


Finaliza nesta semana o "Programa de Fomento a Projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural para Agriculturas(es) Familiares", que beneficiou 400 pessoas diretamente e 1600 famílias de forma indireta em 50 assentamentos e aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul. De 12 a 14 de março, no município de Nioaque, acontece o Seminário Final para Elaboração Participativa do Plano de Continuidade do programa. Com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), A Casa Verde e o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec) implementaram, pela primeira vez no Estado, o extrativismo sustentável. Nioaque, Guia Lopes da Laguna, Anastácio, Jardim, Bonito, Bodoquena, Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti, Bela Vista, Terenos e Maracaju são os 11 municípios que integram, segundo o Programa Nacional de Territórios Rurais (Governo Federal), a região denominada de Território das Serras de Maracaju e Bodoquena, área foco das ações.

O programa acontece desde maio de 2007 e obteve como principais resultados a implementação de um corredor de extrativismo, produção de produtos de comunicação (catálogo, site, logomarca, programa de rádio, boletins impressos, folder, banner), diversificação na produção rural, implementação de boas práticas de manejo extrativista, recuperação de áreas degradadas e ações contra a desertificação no Cerrado.

Segundo a coordenadora do programa, Rosane Bastos, quatro espécies nativas do Cerrado estão sendo trabalhadas na linha de produção de alimentos do Cerrado: o cumbaru ou baru (chamado de castanha-do-cerrado), o pequi, a bocaiuva e o jatobá. "O uso desses frutos na alimentação e comercialização, por exemplo em Nioaque e Campo Grande e Anastácio, são uma conquista do programa", afirma Rosane Bastos.

O próximo passo dos assentamentos é levantar o potencial dos frutos no Território das Serras de Maracaju e Bodoquena com potencial de mercado e implementar um plano de negócios, que prevê a produção e comercialização de espécies do Cerrado abundantes na região, ricas em nutrientes e vitaminas, sem desmatamentos ou degradação ambiental. Os assentamentos Andalucia e Monjolinho, por exemplo, já comercializam produtos como farinhas, castanhas e artesanatos em feiras da economia solidária.

Ao mesmo tempo em que os assentamentos e aldeias indígenas do programa melhoram a segurança alimentar, diversificam a produção e ainda ganham renda com o Cerrado, também contribuem com a conservação de uma grande riqueza de biodiversidade presente no bioma e que se perde a cada desmatamento. Somente nos 11 municípios que integram o projeto da A Casa Verde e Ceppec existem cerca de 30 espécies (recursos não-madeireiros) medicinais, alimentícias e úteis ao artesanato. "Estamos fornecendo assistência técnica com olhar diferenciado em relação aos recursos naturais", revela a coordenadora Rosane Bastos.

Da castanha-do-cerrado (Cumbaru) se extrai carvão, de sua polpa faz-se ração animal (suplemento) e a castanha torrada pode ser comida como aperitivo ou utilizada como farinha em bolos, biscoitos, sorvetes e outros alimentos. Do pequi é extraído o óleo, a castanha e a polpa. Com o jatobá é possível fazer tinta para corantes naturais, remédios e utilizar a farinha em alimentos. Muitas mulheres do campo criaram seus filhos com mingau de farinha de Jatobá. Já a bocaiúva, também muito freqüente no Cerrado de Mato Grosso do Sul e apresentando verdadeiras florestas de bocaiuvais, pode enriquecer os alimentos e diversificar a culinária.

Com investimentos de cerca de R$ 150 mil da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) / Ministério do Desenvolvimento Agrário, o "Programa de Fomento a Projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural para Agriculturas(es) Familiares no Território da Reforma (MS)" tem parcerias com a Rede Cerrado, Centro de Apoio Sócio-Ambiental (Casa), UFMS, Instituto HSBC Solidariedade, ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), Prefeitura Municipal de Nioaque e associações dos assentamentos e aldeias indígenas beneficiados.

Mais informações

Ceppec - Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado
Fone: (67) 9605 0038 (Preta ou Altair) / (67) 9228 4158 (Rosane)
Assentamento Andalucia, lote 36, Cep: 79.220 000, Nioaque - MS
E-mail: ceppeccerrado@uol.com.br e rosane-b@uol.com.br
Site: http://www.ceppec.org.br/

Fonte: Allison Ishy/Ceppec

terça-feira, 11 de março de 2008

Amigas da Fronteira inauguram cozinha de beneficiamento de frutos do Cerrado

Dona Prudência mostra o resultado da produção: óleo e licor de pequi.

Dona Prudência Hurtado sempre gostou de comer pequi, que dá muito na sua terra, lá no assentamento Corixinha, que fica no Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia. O que ela não sabia é que daquela frutinha amarela dava para fazer conserva, farinha, óleo, licor, sabão, suco.

Há cerca de dois anos e meio tudo mudou. Dona Prudência se juntou a outras 17 mulheres e aprendeu a fazer todas essas coisas, e com muita qualidade. Elas, juntamente com algumas senhoras bolivianas, formaram o grupo Amigas da Fronteira, organizaram sua produção e neste dia 15 de março vão inaugurar sua cozinha comunitária de beneficiamento de produtos do Cerrado.

A ação integra o projeto ALSO - Alternativas Econômicas à Soja, uma iniciativa do ISPN em parceria com a FASE e o apoio da Fundação Döen, da Holanda. O projeto é voltado para o uso da biodiversidade com foco na segurança alimentar.

O grupo já estuda a possibilidade de registrar seus produtos, mas tem ressalvas. “Queremos manter o foco artesanal, preservando, assim, os conhecimentos tradicionais”, explica Maurício Mendes, da FASE-MT.

O processo de desenvolvimento do conhecimento se deu através de pesquisa e intercâmbio promovido pelo projeto. “Melhoramos muito! Estamos muito felizes”, diz a sorridente Prudência.

A festa de inauguração da cozinha comunitária começa às nove da manhã e termina ao meio-dia, com o primeiro de muitos almoços.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Quilombolas de Minas Gerais vivem em condição de "miséria", diz estudo

Até o ano 2000 eram conhecidas 66 comunidades negras de origem quilombola no Estado de Minas Gerais. Em junho do ano passado, esse número subiu para 436 comunidades pré-identificadas. Índice bem maior do que os 116 cadastrados pela Fundação Cultural Palmares. É o que aponta pesquisa realizada pelo Projeto Quilombos Gerais, realizado pelo Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, que resultou no livro Comunidades Quilombolas de Minas Gerais no século XXI, publicado pela Autêntica Editora, de Belo Horizonte.

Na atualidade, o conceito quilombo vai muito além dos antigos grupos descendentes de escravos fugidos dos períodos colonial e imperial. Ele também engloba, além das comunidades rurais, grupos urbanos que se autodefinem como comunidades negras e pedem o registro de seu espaço como "território negro".

Elaborado por Maria Elisabete Gontijo dos Santos e por Pablo Matos Camargo, o livro mostra que a população quilombola que vive em Minas Gerais é, em grande parte, originária do povo banto que habitava as regiões Sul e Sudeste do continente africano.

Prova disso é que os dialetos documentados nos trabalhos de campo são de matriz africana,como é o caso de comunidades em Diamantina e no município de Bom Despacho onde foram encontradas raízes lingüísticas de origem banto.

O município com maior número de comunidades é Berilo que, ao lado de Chapada do Norte, Minas Novas, Virgem da Lapa e Araçuaí, compõem, no médio Jequitinhonha, a maior concentração de quilombos encontrada no Estado.

"Em cada município,principalmente no sertão mineiro, as condições de vida da população quilombola é de altíssimo grau de miserabilidade, tendo em vista os fazendeiros que fazem parte dos grupos das elites locais que dominam a vida política municipal e que estigmatizaram, discriminaram e excluíram centenas de comunidades negras dos direitos de cidadania", aponta o livro.

A distribuição das comunidades quilombolas mostra grande concentração nas regiões Norte de Minas, Jequitinhonha e Metropolitana de Belo Horizonte, onde se encontram mais de 70% do seu total.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Justiça suspende atividades da Bunge no Piauí e reabre processo por danos ambientais

Instalações da Bunge no Piauí

A quinta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região -TRF1, em Brasília, decidiu nesta quarta-feira (5), por unanimidade, suspender "imediatamente" as atividades da Bunge Alimentos no Piauí. A Justiça também solicitou a reabertura do processo Civil Público impetrado pela Fundação Águas do Piauí-Funáguas, em 2003, a fim de apurar denúncias relacionadas à destruição do Cerrado piauiense.

A relatora do processo, desembargadora federal Selene Maria de Almeida sentenciou que “para que a multinacional continue a atuar no Piauí, ela não poderá mais usar a lenha como matriz energética em suas caldeiras, instaladas no município de Uruçuí, a 453 quilômetros de Teresina”.

A desembargadora argumentou que o Termo de Ajuste de Conduta - TAC, firmado em 2004 entre a multinacional e os Ministérios Público Federal e Estadual a fim evitar impactos ao meio ambiente da região, foi "inconsistente, inconclussivo e contraditório e que trouxe prejuízos irreparáveis ao bioma". Lembrou a relatora que faz cinco anos que a Bunge utiliza lenha da mata nativa da região de Uruçuí e que, proporcionalmente, a destruição do Cerrado no Piauí, já é maior que o da Amazônia.

A desembargadora entendeu que não houve precaução da Bunge para evitar a destruição da fauna e da flora do Cerrado. Ao contrário. Segundo ela, a empresa utilizou procedimentos inaceitáveis como o tráfico de madeira, estudo de impacto ambiental insatisfatório e recompensa ambiental voluntária para explorar a vegetação, valendo-se da miserabilidade da região para continuar degradando.

Segundo a relatora, a multinacional é a maior empresa de agronegócio no país, tendo no ano passado faturado 14 bilhões de reais. Portanto, jamais deveria utilizar a pobreza do povo piauiense e a falta de emprego como pretexto para continuar utilizando lenha.

A assessoria de imprensa da empresa foi contatada e até a tarde desta quinta-feira não havia retornado à ligação para comentar a decisão da Justiça.

Fonte: Tânia Martins e ISPN.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Povos se unem na luta pela vida do Velho Chico


A Conferência dos Povos do São Francisco e do Semi-árido reuniu mais de noventa movimentos populares e organizações sociais para debater e fortalecer suas ações em torno da bacia do rio São Francisco. O evento foi em Sobradinho (BA), entre 25 e 27 de fevereiro de 2008.

Ao final do evento, foi publicada a Carta de Sobradinho, em que as entidades presentes registram sua preocupação e indignação com as graves conseqüências socioambientais decorrentes das políticas de desenvolvimento que incidem sobre a região. No documento, as organizações e movimentos também propõem um modelo alternativo de desenvolvimento local, baseado na convivência com o semi-árido, e apresentam as linhas gerais para uma ação conjunta de defesa do Velho Chico.

Conheça na íntegra o documento abaixo.

Carta de Sobradinho: Povos do São Francisco e do Semi-árido se unem pela Vida

Nós, os 93 movimentos populares e organizações sociais e 213 pessoas participantes da Conferência dos Povos do São Francisco e do Semi-árido, realizada em Sobradinho (BA), entre 25 e 27 de fevereiro de 2008, tornamos públicas as discussões e as decisões de continuidade de nossas lutas pela vida do Rio São Francisco e do Semi-árido brasileiro, contra o Projeto de Transposição, ao mesmo tempo em que conclamamos a adesão e a solidariedade de todos e todas.
Escolhemos Sobradinho, como sede da Conferência, pelo seu valor simbólico de resistência, nestes 30 anos da barragem, revivido nos 24 dias de jejum de Dom Luiz Cappio ao final de 2007. A experiência vivida por nós, próximos ou distantes, em torno dele naquela ocasião, sintetizou mística e política, solidariedade e fé, economia e ecologia, reinventou nossas formas de ação e nos colocou em mais alto patamar de luta pela Vida.

Na capela do jejum fizemos a abertura, ao redor de potes e plantas do Semi-árido, juntando terras e águas trazidas pelas delegações, entre as quais água turva do Rio Tietê e terra do Cemitério de Perus, onde eram enterrados ativistas “desaparecidos” durante a ditadura militar e “indigentes” do Povo de Rua de São Paulo.

A Conferência foi organizada e realizada pelos movimentos e organizações sociais, representando os mais diversos segmentos das regiões implicadas e de outras do País e do Exterior, com os objetivos de fazer um balanço destas lutas e suas implicações, consolidar a unidade entre entidades e pessoas nelas envolvidas e definir próximos passos.

Ao analisar a situação atual, mais uma vez rejeitamos este modelo de desenvolvimento predatório e excludente que cada vez mais ameaça o Planeta. No Brasil, é parte essencial das políticas do governo federal que mantém o País na condição de exportador de produtos primários como minérios e produtos agropecuários, entre os quais os agrocombustíveis – uma grande “fazendona” mundial, tal com ocorre desde o período colonial.

Este modelo combina subserviência aos grandes interesses econômicos internacionais com ausência de reais políticas públicas para o Nordeste, em especial o Semi-árido, impondo-lhe mega-obras equivocadas e desnecessárias, tal como a transposição do Rio São Francisco. O “sócio-desenvolvimentismo” do governo Lula não disfarça seu caráter retrógrado, evidente nas obras do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, flexibilização de restrições ao capital, assistencialismo social e cooptação de organizações e movimentos sociais.

Diante deste quadro, definimos os seguintes princípios gerais e as ações que faremos:

1. Acesso a água

Os movimentos sociais e populares do São Francisco e do Semi-árido reafirmam que a água é, em si mesma, um bem e um valor universais e que o acesso a água é direito humano fundamental secularmente negado à população pobre do Semi-árido, a do São Francisco inclusive. O modelo concentrador de água fez construírem muitos e suficientes reservatórios e poucas adutoras e ainda mantém quase metade da população do Semi-árido sem acesso a água.

A democratização do acesso a água deve ser uma política pública prioritária, em todo o Semi-árido, baseada no princípio de que o respeito aos direitos humanos deve ser central em qualquer sociedade e rigorosamente respeitado por qualquer governo. Com ela deve ser fomentada uma nova cultura de água, que evite o desperdício, garanta a reprodução de todas as formas de vida e promova a atitude hidro-ecológica.

2. Revitalização do rio São Francisco

Os povos do São Francisco e do Semi-árido reafirmam a posição de que a revitalização verdadeira do São Francisco é urgente e prioritária, visando recuperar as condições hidro e sócio-ambientais do rio e a sobrevivência de milhões de pessoas e demais espécies que habitam a sua bacia. Para isso é condição essencial cessar o avanço e o descontrole da exploração dos Cerrados e Caatingas.

Reafirmamos que a revitalização não pode ser tratada como um mero projeto fragmentado e paliativo, muito menos propagandístico, mas como um amplo e coordenado programa exaustivamente discutido com a sociedade e a ciência e submetido a rigoroso controle social. É disso que o São Francisco precisa, não de mais um uso abusivo.

3. Transposição do rio São Francisco

Os povos do São Francisco e do Semi-árido rejeitam incondicionalmente a transposição de águas do rio. Esta obra apenas reproduz o modelo centenário de concentração de água, que manterá milhões de pessoas excluídas do acesso democrático a água e a um padrão de vida minimamente digno.

Ao levar mais água para onde já existe é uma obra inútil; ao excluir milhões de pessoas é mais uma obra hídrica injusta desde a sua concepção; e ao destinar as suas águas para fins essencialmente econômicos é uma obra desumana que viola o princípio de que a água é um direito humano fundamental. Esta é a mesma razão pela qual rejeitamos os grandes projetos de irrigação, que apenas favorecem o agronegócio exportador.

4. Convivência Sustentável com o Semi-árido

Os povos do São Francisco e do Semi-árido reafirmam que compreendem a Convivência com o Semi-árido como fundamento de desenvolvimento nos termos contemporâneos mais avançados – um novo paradigma civilizatório. Como tal é dos mais relevantes grandes temas nacionais da atualidade, que interessa e deve ser compreendido por toda a sociedade brasileira.

Rejeitamos o atual modelo de desenvolvimento que há séculos perpetua a concentração de terra, água e renda, excluindo quase metade da população da região. Propomos um modelo de desenvolvimento que seja essencialmente justo, garantindo acesso a terra e a água, baseado na lógica da Convivência com no Semi-árido, com inúmeros programas já testados e comprovadamente eficazes.

NOSSAS AÇÕES

a) Trabalho de base: intensificar em todas as regiões, em especial no Semi-árido Setentrional, mas também em todo o país, em mutirões que congreguem militantes dos vários movimentos e organizações, utilizem novos subsídios acessíveis ao povo, esclareçam a verdade sobre a transposição e as questões mais amplas da água, do hidro-negócio, da revitalização do São Francisco e da questão energética, divulguem as alternativas e fortaleçam a consciência militante e a organização popular.

b) Organização e articulação: realizar Conferências Regionais / Estaduais; criar novos Comitês contra a transposição; ampliar as articulações regionais e da bacia; manter a articulação e a luta conjunta entre o São Francisco e o Semi-árido, tendo como instrumento a Coordenação desta Conferência; trabalhar a partir das demandas e alternativas (Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e iniciativas da ASA – Articulação do Semi-Árido), também no São Francisco (programa de revitalização).

c) Comunicação: massificar a discussão sobre os temas São Francisco, Semi-árido e transposição, considerando os três públicos diferentes (urbano, rural e base dos movimentos); empreender uma contra-ofensiva à nova campanha de propaganda do governo federal; envolver as assessorias de comunicação das diversas entidades envolvidas (comissão e rede de assessoria de imprensa e de comunicadores populares); trabalhar mais as rádios e a internet, monitorando e divulgado o que sai na mídia.

d) Enfrentamento: realizar marchas e outros atos criativos, em Brasília e outros locais, aproveitando as datas do Calendário Nacional de Lutas, nas quais inserir os temas São Francisco, Semi-árido e transposição: 8 de março – Dia da Mulher, Abril Vermelho / 17 de abril – Dia Internacional da Luta Camponesa, 1º de maio – Dia do Trabalhador, 10-13 de junho – Jornada das Organizações do Campo e da Cidade; 4 de outubro – Dia do Rio São Francisco.

e) Igrejas: introduzir os temas nas preocupações e atividades pastorais das Igrejas, em especial na Assembléia da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2-11 de abril), divulgando os subsídíos.

O próximo 1º de Abril nós o transformamos em “Dia da mentira do governo e da verdade do povo”, marco central em nossa agenda de lutas, com atividades de protesto e de proposição em todos os cantos do País.

Na beira do São Francisco, contemplando suas belezas e mazelas, ao fundo a barragem de Sobradinho, demos um “gole d’água” ao rio e nos despedimos selando o compromisso de defender a Vida. Mística, Estudo e Ação, propostos por Dom Luiz Cappio, foram as expressões práticas deste compromisso. Cabaças enfeitadas de fitas coloridas, prenhes de sementes, eram os símbolos que cada delegação levou...

Sobradinho 27 de fevereiro de 2008.

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Movimento Saúde Pirituba – SP (Perupi); Marcha Mundial das Mulheres; Apoinme; Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Caritas; Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Pastoral da Juventude do Meio Popular(PJMP); PJR; Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB); CEBs; Sefras – Serviço Franciscano de Solidariedade; Serviço Justiça, Paz e Ecologia da Província Franciscana de SP; Serviço Justiça, Paz e Ecologia da Província Franciscana de Imaculada Conceição; Igreja do Carmo (MG); Congregação Filhas de Jesus (Sobradinho/BA); 1ª Igreja Batista (Santa Maria da Vitória/BA); Romaria do Grito dos Excluídos; Misereor; Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada (IRPAA); Centro Nordestino de Medicina Popular; Consea – PE; Diaconia; PACS; Articulação do Semi-Árido (ASA); ASPTA; CAIS – Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativa Social; Rede Ambiental do Piauí; ABAI – Serviço Paz e Justiça; Instituo Palmas; Museu Ambiental Casa do Velho Chico; Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Aracaju; Associação Pequenos Agricultores Cidadania (APAC); AAPMS; CAA – Centro de Assessoria do Assuruá; SASOP; Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais; EFAs; Centro Terra Mar; Comitê da Bacia do rio Salitre; Ecodebate; Sindicatos de Trabalhadores Rurais; Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto no Estado da Bahia (SINDAE); Pólo Sindical Submédio São Francisco; SINTECT-PE (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos); Sintagro/BA; Sindprev/RJ; APLB – Sindicato de Santa Maria da Vitória; Fórum Permanente da Bahia em Defesa do São Francisco; Frente Cearense por uma Nova Cultura de Água Contra a Transposição; Frente Paraibana em Defesa da Terra, das Águas e dos Povos do Nordeste; Comitê Paulistano Contra a Transposição; CESE; KOINONIA; ABCMAC – P1+2;ACIDES; AMIDES; Água Viva; Paróquias: Campo Alegre de Lurdes/BA, Sobradinho/BA, São Francisco de Assis/BA, Paulo Afonso/BA, Nossa Senhora das Dores; SECON; Rede Social; Jornal: Brasil de Fato; Conlutas; Diretório Central dos Estudantes de Minas Gerais; Consulta Popular; PSOL; PSTU; PUC Minas; DCE UFMG; Universidade de Innsbruck – Instituto de Geografia; UNB; Federação Argentina de Estudantes de Agronomia; Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária; Grupo Nascer (UFMG); Lições da Terra (PUC Minas); FEAB; Geografar – UFBA; UFS – Campus Itabaiana (SE); UNEB; Povos indígenas – Pipipã, Truká e Tupã; Comunidades: Quilombolas, Vazanteiros, Geraiseiras, Catingueiras e pescadores; Colônia de Pescadores: Z-20 (Ibiaí/MG); Juazeiro, Z-07 (Neópolis/SE); Federação dos pescadores de Alagoas; Reserva Extrativista São Francisco – Serra do Ramalho.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Homenagem a Vanderlei de Castro nesta quarta-feira (5), em Brasília

Amigos e admiradores de Vanderlei de Castro reúnem-se hoje (5), às 18h, para uma homenagem no Centro Cultural Brasília (Av. L2 Norte – Quadra 601), onde acontece a oficina de Capacitação e Planejamento de Projetos do PPP-ECOS. Vanderlei de Castro faleceu no último dia 27 de fevereiro, em Diorama, GO, vítima de infarto.

A solenidade, organizada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), começa com o plantio de uma muda de Baru e segue com o pronunciamento de pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com Vanderlei Castro, um dos mais aguerridos defensores do Cerrado.

terça-feira, 4 de março de 2008

Pantanal é dependente das águas do Cerrado


A exuberância natural, a alta diversidade biológica e a imensa planície de áreas alagáveis do Pantanal Matogrossense podem ser ameaçadas pelos impactos nos recursos hídricos do Cerrado.

Os principais rios do Pantanal nascem nos planaltos e nas chapadas do Cerrado. Estudos realizados por pesquisadores da Embrapa Cerrados (Planaltina-DF) concluíram que o Cerrado contribui com a vazão que flui em oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras, sendo fundamental para os rios Paraguai, Parnaíba, São Francisco e Tocantins-Araguaia.

Na porção brasileira da região hidrográfica do rio Paraguai, o Cerrado está presente em cerca de 62% de sua área e responde por quase 136% da vazão nela produzida. Com essa estimativa, fica evidente a dependência do Pantanal em relação aos recursos hídricos gerados no Cerrado. Isso porque a vazão, que cruza os limites do Cerrado em direção ao Pantanal, é aproximadamente 35% maior do que a vazão que deixa o Brasil pelo rio Paraguai.

Déficit hídrico

Os pesquisadores Jorge Furquim Enoch Werneck Lima e Euzebio Medrado da Silva observaram que o balanço hídrico do Pantanal é negativo em relação à geração de vazão. Isso significa que a evapotranspiração (total de água perdida para a atmosfera) em sua área é superior a precipitação, provocando inclusive, o consumo de parte dos recursos hídricos superficiais provenientes do bioma Cerrado.

Ou seja, no restante da bacia hidrográfica, não ocupada por Cerrado, a evapotranspiração é muito superior ao total precipitado na forma de chuva, provocando um grande déficit hídrico.

É como se toda a precipitação nessa área fosse “consumida” pela evapotranspiração e, ainda, necessitasse de 35% a mais dos recursos hídricos superficiais vindos do Cerrado para suprir essa deficiência.

Dessa forma, o Pantanal, que fica na parte mais baixa da região hidrográfica do Paraguai, funciona como um vasto reservatório raso e como grande espelho d’água, contribuindo de maneira significativa com a “perda” de água para a atmosfera por evaporação.

Clima de semi-árido

O déficit hídrico também ocorre na região hidrografia do rio Parnaíba. Nessa região, o Cerrado está presente em aproximadamente 66% de sua área e gera cerca de 106% da vazão média que o rio Parnaíba lança no oceano.

O balanço hídrico negativo existe em função do total precipitado, nas áreas não ocupadas pelo Cerrado, ser inferior ao total evapotranspirado. Uma das razões para que isso aconteça é que grande parte do restante dessa região constitui área de clima semi-árido.

Na bacia do rio São Francisco, o Cerrado contribui com 94% da vazão e na região hidrográfica Tocantins-Araguaia com quase 71% da vazão que flui em seus rios. As 12 bacias hidrográficas em que a contribuição hídrica do Cerrado foram analisadas são Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Parnaíba, São Francisco, Atlântico Leste, Paraná, Paraguai, Atlântico Nordeste Oriental, Atlântico Sudeste, Uruguai e Atlântico Sul.

Primeiro estudo

Esse é o primeiro estudo que analisa as 12 grandes regiões hidrográficas. Isso porque a última pesquisa sobre contribuição hídrica do Cerrado para as grandes bacias hidrográficas é de 2002, tendo como base a antiga divisão hidrográfica nacional em que o extinto Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica (DNAEE) dividia o território nacional em oito grandes bacias hidrográficas.

A partir de 2003, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos alterou a divisão hidrográfica até então utilizada e o território brasileiro foi dividido em 12 grandes regiões hidrográficas.

Sendo a área do Cerrado uma região com cabeceiras de bacias hidrográficas é fundamental a ampliação dos conhecimentos referentes ao seu comportamento hidrológico e aos impactos sobre seus recursos hídricos.

Além da importância em termos hidrológicos, o Cerrado possui enorme destaque no cenário agrícola. Conta com 61 milhões de hectares de pastagens cultivadas, 14 milhões de hectares de culturas anuais, 3,5 milhões de hectares de culturas perenes e florestais, além de ser responsável por 55% da produção nacional de carne bovina.

Os pesquisadores da Embrapa Cerrados – unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento- chamam atenção para a necessidade da ocupação do Cerrado ocorra sob base sustentáveis, gerando o máximo de benefícios com o mínimo de impactos.

Para isso é fundamental a existência de dados e informações técnicas sobre a região para subsidiar a tomada de decisão pelas instituições envolvidas no processo de aproveitamento e gestão de seus recursos naturais.

Fonte: Embrapa Cerrados

segunda-feira, 3 de março de 2008

Evento reúne Povos do Cerrado Norte Mineiro


Cerca de 250 pessoas participaram do Encontro Regional da Rede Cerrado, realizado em Montes Claros, nos dias 29 de fevereiro e 1 de março. Estiveram presentes no evento representantes de comunidades e populações tradicionais do Norte de Minas Gerais - entre vazanteiros, geraizeiros, quilombolas e indígenas -, estudantes e professores universitários, representantes de organizações não governamentais da região e autoridades. Integrado à 18ª Festa Nacional do Pequi, e organizado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM, o evento foi considerado um sucesso.

Para a coordenadora geral da Rede Cerrado, Mônica Nogueira, o encontro foi um momento alto no processo que chama de "enraizamento" da Rede. “Estamos numa fase em que a Rede Cerrado se volta para o fortalecimento e ampliação de sua base social nos diferentes estados”, comenta Mônica.

Participaram também do evento o Deputado Estadual Almir Paraka (PT-MG), o Delegado Regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Rogério Baptista Correia e o Presidente da Fundação Banco do Brasil (FBB), Jacques Penna. Membros do Conselho Deliberativo da Rede Cerrado, dos estados do Maranhão, Mato Grosso do Sul, Tocantins e outras regiões de Minas Gerais, como o Triângulo Mineiro e o Vale do Jequitinhonha, enriqueceram as discussões. Quem participou do evento, pôde ter uma visão ampla do Cerrado e de seus Povos.

União de esforços para lidar com as contradições e obstáculos

Os representantes de comunidades tradicionais deram depoimentos tocantes, durante as quatro sessões de discussões do encontro. Reconheceram na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais uma importante oportunidade política, mas também apontaram para as resistências que ainda persistem ao reconhecimento de seus direitos territoriais, seja por parte do governo ou da sociedade. Para esses representantes, há uma verdadeira ofensiva de alguns setores da sociedade contra o reconhecimento de quilombos e demais territórios tradicionais.

Além do reconhecimento de seus direitos territoriais, as populações tradicionais também têm reivindicações relativas ao marco legal e às políticas de estímulo da produção e comercialização. Hoje, a legislação sanitária e tributária brasileira dificulta a inclusão dos produtos dessas comunidades. A necessidade das comunidades nesta área pode ser resumida em dois pontos: regularização dos produtos e redução da carga tributária. O objetivo maior é ilustrado pela produtora agroextrativista Rosana Claudina da Costa Sampaio "nós queremos ter a dignidade de viver do que produzimos e não ficar dependentes de auxílios e bolsas do governo".

Para alguns, o Governo Lula guarda profundas contradições. Ao lado da festejada Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais, tem levado adiante projetos como a transposição do rio São Francisco, que fere os interesses e direitos de muitas populações tradicionais da região e certamente implicará em degradação ambiental.

O caminho vislumbrado pelos participantes do encontro para lidar com tais contradições foi o da união de esforços. O reconhecimento da importância estratégica de uma aliança entre os Povos do Cerrado (indígenas, quilombolas e camponeses), técnicos, intelectuais e estudantes fez do encontro também um momento de celebração da força coletiva.

Próximos passos

Com a tarefa de dinamizar as discussões, formular posições e implementar ações para tornar a Política Nacional uma realidade no Norte de Minas Gerais, ao final do encontro, foi instituída oficialmente a Comissão Regional dos Povos e Comunidades Tradicionais, composta por representantes quilombolas, indígenas, vazanteiros e geraizeiros.

Novos encontros regionais da Rede Cerrado também serão realizados. O próximo será no Oeste da Bahia, seguido por um encontro conjunto dos estados do Maranhão e Tocantins, ainda no primeiro semestre deste ano.

A idéia é que os encontros regionais, enquanto uma estratégia de mobilização e articulação política, calcem o caminho para a realização do já tradicional Encontro e Feira dos Povos do Cerrado - esse de caráter nacional.

A despedida de um companheiro de caminhada

Vanderlei de Castro, falecido no último dia 27, foi lembrado com um toré (ritual indígena), conduzido por Emílio Xakriabá. Uma justa homenagem para quem teve uma forte relação com a cultura indígena e seus representantes. O próprio Vanderlei era descendente de Bororo e teve uma estreita relação com os Xavante, com quem desenvolveu experiências de repovoamento de matas de Cerrado com espécies silvestres, como queixada, cateto e capivara.

Vanderlei também desenvolveu, em conjunto com outros produtores agroextrativistas do município de Diorama, GO, um sistema integrado de produção agroecológica, envolvendo o enriquecimento e manejo de espécies da flora nativa de Cerrado, a desidratação solar de frutos e a produção de fitoterápicos.

Além das saudades, lembra o pesquisador Igor Homem de Carvalho, Vanderlei deixa um importante patrimônio de idéias, tecnologias e experiências práticas de uso sustentável da biodiversidade do Cerrado.