O projeto de uma Escola Rural Geraizeira é pioneiro ao postular uma educação diferenciada para uma população tradicional camponesa do Cerrado. Mas como toda iniciativa pioneira, a Escola Rural Geraizeira vem esbarrando em entraves legais para sua efetiva implantação. Não obstante haja importantes avanços legais, em termos de reconhecimento e valorização da diversidade cultural no âmbito da Educação – dentre os quais merecem destaque as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer 36/2001 e Resolução 1/2002 do Conselho Nacional de Educação) e a mais recente Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007) -, a ausência de regulamentações específicas para a Educação no Campo no estado de Minas Gerais, vem impedindo a implantação da Escola Rural Geraizeira.
Para dar ampla divulgação à questão e reivindicar encaminhamentos às autoridades competentes, os participantes do Seminário Regional de Educação do Campo lançaram a “Carta de Riacho dos Machados: por uma política pública de educação do campo para o Norte de Minas”, que segue abaixo.
Nós, representantes das instituições abaixo relacionadas e de comunidades Geraizeiras, Caatingueiras e Quilombolas, com os objetivos de possibilitar reflexões sobre educação do campo; discutir as Diretrizes Nacionais para a Educação do Campo e a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; construir uma proposta de ação conjunta para implantação e implementação da primeira Escola Rural Geraizeira, considerando suas especificidades sociais, culturais e ambientais; e, buscar estratégias para concretização da Educação do Campo no Norte de Minas, apoiamos a iniciativa de realização do Seminário Regional de Educação do Campo, dia 25 junho de 2007, em Riacho dos Machados/MG, refletindo a temática “Populações Tradicionais e Educação Contextualizada”.
Denunciamos a grave situação vivida pelas Populações Tradicionais que vivem no e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria. Denunciamos os graves problemas da educação no campo:
- Faltam escolas para atender a todas as crianças, jovens e adultos;
- Ainda há muitos adolescentes e jovens fora da escola;
- Falta infra-estrutura nas escolas;
- Falta uma política de valorização do magistério;
- Falta apoio às iniciativas de orientação pedagógica;
- Os mais altos índices de analfabetismo;
- Os currículos deslocados das necessidades e das questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos;
- Falta de participação social na gestão das escolas.
Reconhecemos que uma conquista recente do conjunto das organizações de trabalhadores e trabalhadoras do campo, no âmbito das políticas públicas, foi a aprovação das “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” (Parecer no 36/2001 e Resolução 1/2002 do Conselho Nacional de Educação), resolução CNE/2006. Outra conquista foi a publicação do Decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e coordenação de sua implementação pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Destacamos o Art. 3o, inciso V dos Objetivos Específicos deste Decreto, que visa “garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortalecer processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos não-formais”. Vale destacar ainda que a questão da Educação do Campo está na agenda de lutas e de trabalho de um número cada vez maior de movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo e o envolvimento de diferentes entidades e órgãos públicos na mobilização e no debate da Educação do Campo.
Embora reconhecendo estas conquistas, fruto de muita organização e pressão popular, há muito ainda por fazer. Por isso, lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democrático e igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentável do campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio e que garanta:
- O fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa;
- Políticas públicas voltadas para as Populações Tradicionais que reafirmem suas identidades;
- O estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, e o combate de todas as formas de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia;
- A articulação campo – cidade, o local – global;
- Um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação na perspectiva da convivência com o semi-árido;
- A gestão democrática das escolas, garantindo o protagonismo dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Ao final deste Seminário, propomos:
No âmbito de nossa governabilidade:
- Criação de uma Comissão (formada por representantes das Comunidades, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, CAA-NM, Secretaria Municipal de Educação, Pronera/Unimontes, Programa Saberes da Terra, Educandos(as) e outras entidades parceiras) para discussão da Educação do Campo no Norte de Minas, tendo como pano de fundo a discussão das Populações Tradicionais e como questão prioritária a Escola Rural Geraizeira da Tapera;
- Buscar apoio e assessoria pedagógica, antropológica e jurídica para esta Comissão;
Que esta Comissão apresente esta carta e outras informações importantes das Populações Tradicionais do Norte de Minas, especialmente em relação às experiências de Educação do Campo ora em curso no Norte de Minas (Escola Rural Geraizeira da Tapera, Pronera, Programa Saberes da Terra, EFA’s, Educação Quilombola, Educação Indígena Xakriabá, etc.) para a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais em Brasília; - A Rede Cerrado se compromete em levar esta discussão para o MEC, MMA, MDA, MDS e outros ministérios relacionados a questão da Educação do Campo;
- Realização de outros seminários de Educação do Campo em outras regiões do Norte de Minas;
Articulação desta Comissão com a RESAB - Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro e com a Rede Mineira de Educação do Campo.
No âmbito da União:
- Que a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em parceria com o MEC, negocie com o Governo Estadual, Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e Conselho Estadual da Educação a construção e efetivação das Diretrizes Estaduais da Educação do Campo.
No âmbito do Estado de Minas Gerais:
- Que a Secretaria Municipal de Educação de Riacho dos Machados apresente a Superintendência Regional de Ensino de Janaúba, a documentação necessária para criação da Escola Rural Geraizeira, o mais rapidamente possível, para garantir o funcionamento regular a partir de 2008;
- Necessidade de pactuar compromisso entre a Prefeitura Municipal de Riacho dos Machados e o PA Tapera para estabelecer prazos e metas para buscar a autorização da Escola Rural Geraizeira;
- Criação e/ou fortalecimento dos Conselhos Municipais de Educação;
- Criação e/ou fortalecimento das Comissões Municipais de Cadastro e Matrícula, de acordo com a Resolução 907 de 21 de maio de 2007, da Secretaria de Estado da Educação, pautando as necessidades elencadas nesta carta e solicitando o apoio a Escola Rural Geraizeira do PA Tapera e de outras experiências de Educação do Campo, em curso no Norte de Minas;
- Curso de introdução a antropologia para os professores que estão atuando na Educação do Campo;
Aprovação de lei que regulamente a Educação do Campo em MG: leis, decretos, resoluções e pareceres estaduais; - Que o Conselho Estadual de Educação abra os espaços necessários para o debate e implementação da Educação do Campo em Minas Gerais;
- Fazer intercâmbio entre as diversas experiências de Educação do Campo em outras regiões do estado e do país com a participação de representantes do poder público e da sociedade civil organizada.
E enfim, reivindicamos o compromisso dos Governos Federal, Estadual e Municipais com a Educação do Campo, através da construção coletiva de planos, programas, projetos e todo o arcabouço legal, garantindo em seus orçamentos os recursos financeiros para a efetivação desta política pública.
Assinam esta Carta:
AMA – Articulação Mineira de Agroecologia
ASA Minas – Articulação no Semi-Árido Brasileiro – Minas Gerais
Associação dos Assentados de Nossa Senhora das Oliveiras – PA Tapera
Associação Quilombola do Gurutuba
CAA-NM – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – Projeto GESTAR (Gestão Ambiental Rural)
Câmara Municipal de Riacho dos Machados
CIAT – Comissão de Implantação das Ações Territoriais do Alto Rio Pardo
CPT-MG – Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais
CTA-ZM – Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata
FEJANM – Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Norte de Minas
FETAEMG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais
Fórum Regional de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas
Grupo Agroextrativista do Cerrado
Igreja Católica de Riacho dos Machados
Prefeitura Municipal de Riacho dos Machados
Rede Cerrado
Rede Mineira de Educação do Campo
RESAB - Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro
Secretaria Municipal de Educação de Montes Claros – Programa Saberes da Terra
Secretaria Municipal de Educação de Porteirinha – Programa Saberes da Terra
Secretaria Municipal de Educação de Riacho dos Machados
Secretaria Municipal de Educação de São João das Missões – Povo Indígena Xakriabá
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Grão Mogol
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Riacho dos Machados
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Salinas
Sind-UTE – Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de MG – Regional Montes Claros
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Minas Gerais
UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros – Projeto PRONERA
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