quinta-feira, 3 de abril de 2008

Além da expectativa

Um estudo de mais de 20 anos, liderado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), vem revelando a cada dia mais informações sobre o cerrado, a segunda maior biodiversidade brasileira. Desta vez, os cientistas chegaram a um número inédito sobre a quantidade de plantas: são pelo menos 12 mil, quantidade catalogada por um grupo que inclui docentes da UnB, da Embrapa e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Esta é a primeira contagem ampla do bioma no País e demonstra a riqueza biológica dessa vegetação”, comemora a professora do Departamento de Engenharia Florestal (EFL) Jeanine Maria Felfili. A lista inclui todo o tipo de árvores, cipós, gramíneas e samambaias, ou seja, a flora vascular, que conta com vasos para o transporte de nutrientes, o que exclui microorganismos.

A empolgação dos pesquisadores se justifica pelas estatísticas anteriores. Para se ter uma idéia, em 1998, o mesmo grupo havia catalogado apenas seis mil espécies, e as perspectivas indicavam um máximo de 10 mil delas. Após uma década, já é possível falar, com segurança, em até 20 mil diferentes plantas. “Os dados superaram em muito as nossas expectativas. Mais do que nunca, o cerrado se torna a savana mais rica do mundo”, diz a pesquisadora.

Em sua maioria, as novas espécies incluem arbustos, ervas, gramíneas e bambus. Nesse período, a equipe teve várias surpresas, entre elas, a de que 70% das ervas apresentam potencial farmacêutico, segundo relatos de moradores das regiões analisadas. Neste grupo de espécies estão descritos gêneros e espécies novas de árvores para a ciência. Famílias, Gêneros e Espécies são as maneiras que as plantas se agrupam na hierarquia botânica. No momento da escolha dos nomes, os cientistas fizeram homenagens, como a espécie Altoparadisum chapadensis. As palavras aludem ao local onde a planta foi encontrada, o município de Alto Paraíso, porta de entrada para a Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Metodologia

O trabalho envolveu pesquisas de herbário e de campo em praticamente todo o bioma Cerrado e, particularmente, em 25 chapadas nos nove estados por onde o cerrado se espalha: Bahia, Maranhão e Piauí, na região Nordeste, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, na região Centro-Oeste, Tocantins, na região Norte, e São Paulo e Minas Gerais, na região Sudeste. Apenas na Chapada dos Veadeiros, localizada a 230 km de Brasília (DF), há mais de 2.661 plantas diferentes.

Essa estratégia permitiu ao grupo de pesquisa aumentar as chances de encontrar novos exemplares, uma vez que as plantas não se distribuem igualmente e qualitativamente por todos os 2 milhões de km² do cerrado. “Há grupos de espécies generalistas, que ocorrem por todas as áreas, mas há também as próprias de cada local, em função do clima e do solo”, explica.

Em cada região, foram selecionados pontos de coleta nas extremidades e nas partes centrais de cada espaço geográfico. As visitam aconteceram de uma a duas vezes por ano, uma na estação seca e outra na época de chuvas. “Pegamos amostras de tudo o que estava florido ou com fruto, pois é por essas estruturas que diferenciamos uma espécie de outra”, diz a engenheira.

Além das plantas encontradas diretamente no campo, os pesquisadores percorreram herbários (unidades de estudos botânicos que guardam coleções de exemplares) em busca de mais registros de exemplares não catalogados por eles, a fim de complementar a listagem.

Após a recolha, os indivíduos foram levados para laboratórios nas instituições nacionais envolvidas e também no exterior. Nesses locais, houve a identificação dos vegetais por meio de microscópios e outros aparelhos.

Peculiaridades

As descobertas, entretanto, não se restringiram ao inventário de espécies. Os estudos também envolveram uma radiografia sobre as características do bioma em termos de biomassa. O resultado? Uma média de 300 m³ de material orgânico por hectare, número próximo àquele estimado nas áreas abertas de floresta amazônica.

Nessa conta, computou-se também o que está sob a terra, ou seja, as raízes, somando-se ao que se vê na superfície, ou seja, troncos, galhos e folhas. “Existe muita biomassa no solo. Há árvores de cinco metros de altura, cujas raízes se estendem por até 20 metros abaixo do solo”, aponta a engenheira.

Dentro dessa mesma linha, verificou-se ainda a proporção de biomassa para as paisagens que compõem o bioma Cerrado, ou seja, as matas de galeria que circundam as regiões de nascentes e margens de rios, as matas que crescem em terrenos arenosos, e as savanas em si, com gramíneas e árvores esparsas. “As florestas apresentam de três a quatro vezes mais volume de material vivo na parte aérea, acima dos solos, que as planícies de cerrado”, diz Jeanine.

Repercussão

Para a professora, estas informações devem ajudar a conter o desmatamento do bioma por meio da definição de áreas de preservação pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que leva em conta esse tipo de informação ao elaborar políticas de preservação. Em 2000, o bioma Cerrado foi classificado pela organização não-governamental norte-americana Conservação Internacional (Conservation Internacional) como hot spot, ou seja, uma das áreas do mundo ricas em espécies e com grandes ameaças de desmatamento.

Jeanine espera que a ampliação do conhecimento sobre o bioma Cerrado estimule a exploração sustentável dessa biodiversidade. Isso ocorreria com a incorporação de produtos da região na matriz econômica, por exemplo, as frutas nativas. “A economia na região é muito voltada para a produção de grãos. O palmito de gueroba, o baru e o açaí têm muito mais nutrientes que mandioca ou arroz, que são puro carboidrato”, justifica. Para a professora, a atitude é fundamental para manter a vegetação. “Se quisermos manter a biodiversidade, temos que incorporá-la à economia”.

Para além das questões financeiras, a vegetação em pé também contribui para a saúde do planeta, uma vez que atua como paliativo para o aquecimento global ao seqüestrar o carbono da atmosfera (o elemento acumula-se na biomassa das plantas durante o crescimento), além de amenizar o clima e proteger os mananciais hídricos.

Contato: Jeanine Maria Felfili Fagg <felfili@unb.br>.

Fonte: Daiane Souza/Secom-UnB

Nenhum comentário: