terça-feira, 25 de março de 2008
Celeiro do mundo: vocação ou maldição?
O pesquisador da Embrapa Cerrados, Engenheiro Agrônomo Edson Lobato, teve reconhecimento internacional por seu empenho em aumentar a oferta de alimentos em quantidade e qualidade. Em 2006, o pesquisador recebeu o prêmio da World Food Prize Foundation, uma instituição norte-americana.
Em entrevista ao Jornal do Crea-DF, o agrônomo Edson Lobato falou do trabalho desenvolvido para adaptar o Cerrado ao cultivo de grãos em larga escala e também sobre o prêmio recebido em 2006.
A entrevista que segue revela uma visão que infelizmente predomina entre especialistas e autoridades: a de que o Cerrado deve tornar-se o celeiro do mundo, mesmo que isso implique na perda de grande parte de sua rica biodiversidade.
JORNAL CREA-DF (JC) - O prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize) recebido pelo senhor em 2006 se deveu ao empenho em provar a capacidade de produzir do Cerrado?
EDSON LOBATO (EL) - O Dr. Borlaug decidiu criar uma fundação para suprir a lacuna do Prêmio Nobel. Foi criada então, a World Food Prize Foundation (WFPF) que a partir de 1986 passou a premiar anualmente pessoas que, no julgamento de um Comitê de Seleção da fundação, tenham contribuído de maneira relevante para aumentar a oferta de alimentos em quantidade e qualidade para o mundo. No entender desse Comitê a transformação do Cerrado brasileiro em área agrícola altamente produtiva foi uma das mais importantes conquistas da ciência agronômica do século XX. A premiação reconheceu o conjunto da obra que se estendeu por 39 anos.
JC - O que o prêmio significou para o Sr. enquanto profissional?
EL - Mais do que uma satisfação pessoal o que me tocou foi o reconhecimento externo, de uma instituição da importância do WFPF, de um esforço enorme desenvolvido pelo Brasil para que os Cerrados brasileiros viessem a se constituir numa importante área para a produção de alimentos, fibras e energia. Não só para o Brasil mas para o mundo. Isso não é tarefa para poucos. No mérito desse feito incluo entre outros a pesquisa, a extensão rural, a assistência técnica, a política, os fornecedores de insumos e os agricultores. Como parte desse conjunto me sinto gratificado.
JC - O que o prêmio significa para a agronomia brasileira?
EL - Quando se decidiu, no início da década de 70, se incorporar o Cerrado ao processo de produção agrícola, mesmo que quiséssemos não poderíamos importar conhecimento tecnológico para tal fim. Não havia esse conhecimento em parte alguma. A agricultura mais avançada do mundo estava em áreas de clima temperado. Não havia exemplo de agricultura tropical que pudéssemos copiar. Tivemos que desenvolver a tecnologia para tal empreitada e o fizemos muito bem em um prazo relativamente curto. Como brasileiros devemos nos orgulhar disso.
JC - Por que o Sr. decidiu investir no Cerrado?
EL - Talvez por ser minha região natal. Nasci em Uberlândia, MG, no coração do Cerrado. Sempre acreditei na possibilidade de transformar os Cerrados em área agricolamente produtiva.
JC - Quais eram os desafios da profissão àquela época?
EL - Quando começamos nosso trabalho em 1965 na Estação Experimental de Brasília, do Ministério da Agricultura, em Planaltina, a profissão era pouco prestigiada. As condições de trabalho em pesquisa deixavam muito a desejar pelos baixos investimentos na formação e aperfeiçoamento de pessoal assim como em instalações e equipamentos. Como conseqüência, o acervo de informações tecnológicas para as nossas condições tropicais era limitado.
Com a criação da Embrapa e pouco depois do Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado (1973) no mesmo local da antiga Estação Experimental de Brasília, as condições de trabalho melhoraram consideravelmente e foi possível produzir muito mais em curto espaço de tempo.
JC - Quais os desafios da profissão hoje?
EL - Os desafios do profissional da área agronômica hoje não são menores que os daquela época. São apenas de outra natureza - desenvolver sistemas de produção sustentáveis de tal forma que se possa atender a demanda de alimentos, fibras e energia de uma população planetária que passou de 1 para 2 bilhões entre 1750 e 1950 e, nos 50 anos seguintes aumentou para 6,5 bilhões de pessoas. Se até um passado recente era possível ser amador na agricultura, hoje, numa economia globalizada, não há mais lugar para amadorismo. Há que se ter muito bons profissionais na agricultura, utilizando o melhor do conhecimento tecnológico para se competir em desvantagem (custo Brasil) com a agricultura altamente subsidiada do primeiro mundo.
JC - E quais perspectivas para o Cerrado brasileiro nos próximos 10 anos?
EL - As condições do nosso Cerrado são únicas no mundo quanto à possibilidade de aumentar muito a oferta de alimentos, fibras e energia não só para o País mas para exportação. Podemos aumentar a produção pelo aumento das produtividades e pela incorporação de novas áreas ao processo produtivo.
Hoje temos cerca de 14 milhões de hectares cultivados com grãos (onde se colhe cerca de 54% da produção nacional), 3,5 milhões de hectares com culturas perenes e 61 milhões de hectares com pastagens cultivadas, das quais 60 a 70% em algum estágio de degradação. Um terço dessas pastagens degradadas, se recuperadas e bem manejadas poderia abrigar o rebanho atual, liberando cerca de 28 milhões de hectares para a produção de grãos, carne, fibras ou energia. Além disso, 60,5 milhões de hectares de área virgem poderiam ser utilizados para a produção agrícola.
Ainda restariam 65 milhões de hectares (aproximadamente 32% da área total) para preservação da flora e fauna regionais.
.: Entrevista cedida pelo Jornal CREA-DF ao CURTAS.
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